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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

VIAGEM A UM PASSADO CINÉFILO


AS TEMPORADAS CINEMATOGRÁFICAS 

Tenho saudades do panorama de exibição cinematográfica que se vivia em Lisboa há mais de 30 anos. A oferta de filmes era mais interessante e variada e havia uma coisa chamada “temporada” de que sinto falta. Sim, já sou cota e tive o meu grande período cinéfilo no final da década de 70 e nos anos 80, onde para além do circuito cinematográfico, era espectador assíduo dos ciclos da Cinemateca (entre eles o da Ficção Científica e o do Musical).

Nesses tempos, a temporada cinematográfica iniciava-se em Setembro/Outubro e terminava em finais de Junho. Nos meses de Verão, as saudosas reposições invadiam muitos dos ecrãs, proporcionando a descoberta ou revisão de clássicos e outros filmes antigos. Chegados a Setembro, cinemas como o São Jorge anunciavam com orgulho a sua programação para os próximos meses e era nessa altura que estreavam os grandes êxitos do ano.

É verdade que os filmes chegavam cá com alguns meses de atraso, mas os distribuidores sabiam que não valia a pena estrearem filmes importantes nos meses de Verão, pois o pessoal preferia ir para a praia, a cidade ficava quase deserta e os cinemas ficavam quase às moscas (eu era uma delas). 




ÉPOCA DE ESTREIAS

Mas quando a nova temporada arrancava e os grandes filmes estreavam, havia bichas (no velho sentido da palavra e no novo também) nas bilheteiras e, por vezes, era necessário comprar-se bilhetes com alguns dias de antecedência.

Lembro-me da dificuldade para se conseguir bilhetes para ir ao Tivoli ver filmes como A TORRE DO INFERNO ou AMERICAN GIGOLO. Recordo-me de ver à porta do Éden pessoas a vender bilhetes no mercado negro para o TUBARÃO, do Império esgotado com ENCONTROS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU e do antigo Monumental completamente cheio com o SHINNING.

Era também nesses meses que estreavam os chamados filmes de qualidade e as produções com classe. Muitos eram os títulos que faziam longas carreiras nos nossos cinemas: ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, mais de um ano em exibição; O SÍNDROMA DA CHINA, mais de 3 meses; KRAMER CONTRA KRAMER, 13 meses; O NEVOEIRO, 3 meses. Claro que, nesse tempo, raramente um filme estreava em mais do que 3 salas, enquanto hoje o mesmo filme estreia em tudo o que é sala. 















CINEMAS COM PERSONALIDADE

Muitas das salas de Lisboa tinham programações características. Por exemplo os filmes do 007 e da Pantera Cor-de-Rosa estreavam sempre no São Jorge, que era também a “casa” do Woody Allen fase Diane Keaton; quando este começou a filmar com a Mia Farrow, os filmes passaram a estrear no Londres, fazendo companhia aos ilustres Ingmar Bergman e François Truffaut, entre outros.

O cinema erótico e o indiano tinha lugar cativo no Avis, este último com incursões no Éden, onde o cinema de kung-fu e acção eram uma garantia.

Zombies e canibais habitavam o Politeama, e por vezes juntavam-se às mulheres dos campos de concentração nazi e a softcores que passavam no Odéon. 

No Condes havia o Louis de Funés e o Jean-Paul Belmondo, a par de filmes “picantes” e produções de ficção científica. O Xénon era especializado em filmes de terror e o cinema de autor tinha residência permanente no Quarteto.

















A ÉPOCA DAS FESTAS

Chegado o Natal e a Páscoa, já se sabia que pelo menos o Tivoli ia exibir um filme da Disney (clássicos como BRANCA DE NEVE ou novidades como TARAN E O CALDEIRÃO MÁGICO). Nessas alturas, todo o “foyer” era forrado com cartazes e era como entrar no mundo mágico desses filmes. Hoje, títulos como WALL-E têm estreia marcada em pleno Verão e será apenas mais um filme, não um acontecimento. 

Era também nesta altura do ano que eram repostos filmes bíblicos como QUO VADIS ou OS DEZ MANDAMENTOS, a par de musicais como MÚSICA NO CORAÇÃO (cuja exibição era obrigatória em quase todos os Natais) ou MY FAIR LADY.




AS REPOSIÇÕES

A temporada das reposições começava em Junho e prolongava-se até princípios de Setembro. Havia de tudo para todos os gostos e os clássicos em 70mm tinham sempre lugar marcado no Monumental ou Império, cujos ecrãs gigantescos proporcionavam uma experiência inesquecível. Hoje já não há ecrãs assim. 

Era fácil descobrir-se um Hitchcock ou Buñuel ou reencontrar Marilyn Monroe; podia ver-se Barbra Streisand em HELLO, DOLLY! e Robert DeNiro em TAXI DRIVER; rir com A GRANDE CORRIDA À VOLTA DO MUNDO e chorar com E TUDO O VENTO LEVOU. 

É verdade que, com o advento do vídeo, Internet e serviços de streaming, possa não fazer muito sentido haver reposições, mas vê-los no cinema é uma experiência completamente diferente e mais enriquecedora do que vê-los em casa.















CONCLUSÕES NOSTÁLGICAS 

Presentemente, já não existe a chamada temporada e é estranho falar-se da “rentrée”. Os grandes blockbusters estreiam em qualquer época do ano e já não há filmes especiais para épocas específicas. As distribuidoras parecem ter medo de arriscar e, assim, somos quase obrigados a ver sempre o mesmo tipo de filmes. Tenho saudades do tempo em que na mesma semana podia, por exemplo, escolher entre títulos como DA VIDA DAS MARIONNETTES, A ABSOLVIÇÃO, NOVA-YORK 1997, LOUCURAS DE UMA RECRUTA, ANIVERSÁRIO MACABRO e 007 – MISSÃO ULTRA-SECRETA. 

Nesse tempo, até o cartaz dos cinemas publicado nos jornais, tinha mais personalidade. Não era só o título do filme, havia informação relacionado com o elenco ou com o realizador. E claro que os bilhetes eram mais bonitos e muitos cinemas ainda tinham os nostálgicos programas, que nos eram dados pelos arrumadores em troca de uma moedita. E não posso esquecer os enormes cartazes que decoravam as fachadas dos grandes cinemas como o Monumental.











2 comentários:

  1. Gostei imenso de recordar uma outra época cinéfila muito viva e participada. Excelente retrato de uma época, Tomé.
    Estas memórias implicam uma atitude presente...ver cinema! Ir ao cinema, SEMPRE!

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    1. Olá e muito obrigado pelas tuas palavras. Ir ao Cinema, sempre!!!

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