Há uns anos atrás, ao subir a Av. da Liberdade reparei num cartaz sobre a fachada do São Jorge, onde dizia que o cinema tinha feito 60 anos em 2010 e fiquei espantado por não ter dado por nada. Como é que é possível que ninguém se tenha lembrado de fazer uma grande homenagem a essa sala? Deviam ter feito um festival com 60 filmes que tenham passado por este cinema. Consta que houve qualquer coisa em jeito de festa, mas não deve ter sido muito badalado. Assim, na altura, decidi escrever um pouco sobre o São Jorge. Agora, 12 anos depois e com mais imagens, decidi revisitar este meu artigo e assim celebrar os 72 anos do Cinema São Jorge.
Para começar, um pouco de história. Foi no dia 24 de Fevereiro de 1950 que o São Jorge abriu as suas portas ao público. O projecto, de autoria exclusiva de Fernando Silva, ganhou em 1951 o Prémio Municipal de Arquitectura e dizem que “foi saudado aquando da sua abertura pelos arquitectos que nele viram uma obra revolucionária, verdadeira pedrada no charco no desenho de uma cidade ainda provinciana e a sofrer as restrições do regime ditatorial”.
O cinema era exclusivamente da britânica Rank Organization, que assim ficou com uma sala em Lisboa para mostrar os seus filmes, situação que se manteve até 1985, altura em que passou para as mãos da CIC (Paramount e Universal). A sala original tinha 1827 lugares, o que na época fazia deste cinema o maior da Península Ibérica. Claro que, com as novas tendências do mercado, encher esses lugares se foi tornando cada vez mais difícil e, em 1981, o São Jorge sofreu obras de remodelação e ficou transformado num complexo de 3 salas.
No ano 2000 a Câmara Municipal de Lisboa torna-se proprietária deste cinema, salvando-o assim das mãos de uma imobiliária, e um ano mais tarde reabre a sala como local privilegiado para festivais de cinema e outras actividades culturais. Em 2003, a gestão do São Jorge passa para as mãos da EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, que após umas obras de beneficiação, tem mantido este cinema vivo. Mas o que me interessa realmente são os filmes que passaram por este velho cinema de Lisboa.
No dia da sua inauguração, o filme em estreia foi o clássico OS SAPATOS VERMELHOS, que muitos anos mais tarde, em 1983, seria reposto nesta sala. A esse filme seguiram-se A LAGOA AZUL com Jean Simmons, CRESPÚSCULO DA GLÓRIA com Ray Bolger, ARTE DE VIVER baseado na obra de Somerset Maugham, AQUELE BEIJO À MEIA-NOITE com Mario Lanza, AS AVENTURAS DE OLIVER TWIST com Alec Guiness e centenas de outros títulos.
Outro momento crucial na carreira do São Jorge, aconteceu após o 25 de Abril, altura em que lá estreou o então polémico O ÚLTIMO TANGO EM PARIS; um grande sucesso, que provocou longas filas (na altura podia dizer-se bichas) na bilheteira e permaneceu em cartaz durante seis meses.
Durante anos, o São Jorge foi um dos meus cinemas preferidos e só o abandonei quando este fechou as suas portas, deixando uma grande lacuna na cidade.
Para mim, era a sala do homem do gongo. Passo a explicar, o genérico da Rank tinha um matulão em tronco nú (um pugilista chamado Bombardier Billy Wells) que tocava um gongo dourado e, enquanto a sala foi dessa companhia, todos os filmes começavam com essas breves imagens. Um logótipo do mesmo adornava a calçada em frente da escadaria do São Jorge.
Antes de ser transformado em 3 salas, era raro o filme que era exibido neste cinema, sem antes termos direito a uma divertida curta-metragem de animação da Pantera Cor-de-Rosa.
Muitos foram os filmes que por lá passaram, mas algumas famosas séries cinematográficas tinham lugar cativo nesta sala, nomeadamente os filmes do famoso agente secreto 007, as brejeiras comédias “Com Jeito Vai...” e os filmes da Pantera Cor-de-Rosa. O cinema de produção inglesa tinha no São Jorge uma sala de eleição, ou não fosse a Rank inglesa e os títulos da United Artists eram uma presença constante neste cinema.
Alguns realizadores tinham também um lugar garantido, entre eles Alfred Hitchcock, François Truffaut, Federico Fellini, Woody Allen (principalmente na sua fase pré Mia Farrow), Pier Paolo Pasolini, Billy Wilder, Ingmar Bergman e Martin Scorsese. Quanto a actores, nas últimas décadas, Meryl Streep brilhou, entre outros, em A AMANTE DO TENENTE FRANCÊS, A ESCOLHA DE SOFIA e ÁFRICA MINHA; Kevin Costner conquistou o público com DANÇAS COM LOBOS, ROBIN HOOD, PRINCÍPE DOS LADRÕES e O GUARDA-COSTAS, Dustin Hoffman deliciou em A PRIMEIRA NOITE, O COWBOY DA MEIA-NOITE e LENNY, e Harrison Ford foi um sucesso com A TESTEMUNHA, A COSTA DO MOSQUITO e JOGOS DO PODER.
Podia citar aqui as centenas de filmes que passaram pelo São Jorge, mas acho mais interessante e menos monótono partilhar cartazes desses filmes, de quando estiveram lá em exibição. Espero que gostem e, nas minhas buscas, descobri filmes de que nunca tinha ouvido falar.
No ano 2000 o São Jorge deixou de fazer parte do circuito comercial de estreias e, assim, nos seus últimos 10 anos, tem recebido alguns festivais de cinema, como o Festival de Cinema Independente ou o MOTELx. Pessoalmente, tenho saudades de quando era um cinema comercial, mas é bom saber que, ao contrário de outras salas lisboetas, o São Jorge mantém o seu espírito cinéfilo acordado e vivo.
Texto © Jorge Tomé Santos em 23.02.2011 / actualizado em 25.07.2022
Adorei! Fiquei apenas com pena que o passado, neste caso embutido, não se tenha mantido no desenho da calçada com o logotipo da Rank.
ResponderEliminarObrigado pela visita e sim, é uma pena que não tenham mantido o desenho na calçada.
EliminarAdoro estas tuas incursões no passado dos cinemas, Jorge e adoro os cartazes publicitarios. Onde os consegues obter?
ResponderEliminarOlá João, obrigado pela visita. Os cartazes, muitos fazem parte da minha colecção de recortes de jornais e outros encontrei no site da Fundação Mário Soares.
EliminarO comentário anterior é do João Moucheira :-)
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