“A 1ª vez que fui ao cinema tinha 4 anos menos 10 dias”. Foi esta frase que a minha mãe escreveu no meu programa (eram uns folhetos que antigamente eram distribuídos nos cinemas pelos arrumadores) da sessão do cinema Éden do dia 14.07.1968, onde vi A GATA BORRALHEIRA da Disney. Claro que, na altura, ela nunca imaginou que eu iria tornar-me um apaixonado por Cinema; mas estou feliz por ela ter guardado esse programa, bem como o bilhete dessa sessão. São os items mais antigos do meu “baú” de recordações cinéfilas.
Nesse dia, eu também não devia saber que o Cinema iria tornar-se um dos meus maiores amigos e que este me faria companhia em muitos momentos de solidão. Não me lembro exactamente quando esta amizade começou, mas só comecei a guardar bilhetes e programas uns anos depois, a partir de 1974, e a cinefilia a sério só começaria em 1976, quando fui ao Palácio Foz ver o clássico KING KONG. A fim de perceberem esta estranha amizade, tenho que falar um pouco sobre mim.
Na adolescência as coisas não mudaram muito. Tinha alguns amigos na escola, mas continuava a preferir brincar sozinho, pois assim ninguém arruinava os filmes que eu criava. Entretanto, também comecei a escrever contos de terror; ainda me lembro de ter medo de uma cena que escrevi e de ter sido gozado pela família por causa disso. O fascínio pelo cinema ia crescendo e descobri a biblioteca da Cinemateca, onde passei muitas tardes de leitura. Preferia ir para aí do que estar com os meus colegas. Na verdade, senti-me sempre um marginal.
Claro que os meus colegas também gostavam de cinema, mas raramente queriam ouvir falar dos clássicos e, entre irem ao cinema ou a uma festa, preferiam a segunda hipótese. Mais tarde, fiz parte de alguns grupos de amigos (um deles até era conhecido pelos intelectuais da Cinemateca), mas os meus gostos pouco intelectuais (sempre preferi ver os filmes pelo lado emocional em vez do racional) levaram a que eu próprio me marginalizasse.
Toda esta solidão levou-me a aproximar-me cada vez mais do Cinema. Ir ao cinema era para mim um escape. Adorava deixar-me transportar para outros mundos, outras vidas e, sempre que me sentia deprimido, não havia nada melhor que ir até ao cinema. Aí ganhava forças para enfrentar a vida chata que levava.
O Cinema é como uma droga que durante umas horas nos faz esquecer o nosso dia-a-dia e, quando os filmes são mesmo bons, tem o poder de provocar emoções. Há quem prefira filmes que os desafiem intelectualmente, eu prefiro uma boa história, com pés e cabeça, que me faça sentir qualquer coisa.
É reconfortante saber que o Cinema continua a existir e que continuo a poder recorrer aos seus dotes mágicos. Quando revejo um filme é como visitar um velho amigo e recordar emoções que julgava perdidas na poeira do tempo. É por isso que eu chamo ao Cinema um velho amigo; um daqueles que não se esquece e que sabe bem ter ao nosso lado!
Texto © Jorge Tomé Santos em 19.03.2011 / revisto em 12.12.2020
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