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terça-feira, 12 de julho de 2022

CINEMA: O ESCAPE DA MINHA VIDA

 


“A 1ª vez que fui ao cinema tinha 4 anos menos 10 dias”. Foi esta frase que a minha mãe escreveu no meu programa (eram uns folhetos que antigamente eram distribuídos nos cinemas pelos arrumadores) da sessão do cinema Éden do dia 14.07.1968, onde vi A GATA BORRALHEIRA da Disney. Claro que, na altura, ela nunca imaginou que eu iria tornar-me um apaixonado por Cinema; mas estou feliz por ela ter guardado esse programa, bem como o bilhete dessa sessão. São os items mais antigos do meu “baú” de recordações cinéfilas.

Nesse dia, eu também não devia saber que o Cinema iria tornar-se um dos meus maiores amigos e que este me faria companhia em muitos momentos de solidão. Não me lembro exactamente quando esta amizade começou, mas só comecei a guardar bilhetes e programas uns anos depois, a partir de 1974, e a cinefilia a sério só começaria em 1976, quando fui ao Palácio Foz ver o clássico KING KONG. A fim de perceberem esta estranha amizade, tenho que falar um pouco sobre mim. 

































Sou filho e neto único, como tal era muito mimado e super-protegido pela minha família. Tive uma infância solitária, passando horas metido em casa a brincar com o Lego, outros bonecos e, mais tarde, agarrado a livros. Não me deixavam ir brincar para a rua com os outros meninos e habituei-me de tal forma a estar sozinho, que me tornei naquilo a que o meu pai apelidava de “bicho do mato”. Felizmente existia a televisão, que nessa altura passava bons filmes a horas decentes e depressa me senti fascinado pelas suas histórias. Nas minhas brincadeiras comecei a fazer filmes com o Lego e adorava ver filmes no view-master (ainda se lembram disto? Não havia vídeo, mas existia esta espécie de óculos, onde introduzíamos uns discos de papel com fotogramas de filmes).


Na adolescência as coisas não mudaram muito. Tinha alguns amigos na escola, mas continuava a preferir brincar sozinho, pois assim ninguém arruinava os filmes que eu criava. Entretanto, também comecei a escrever contos de terror; ainda me lembro de ter medo de uma cena que escrevi e de ter sido gozado pela família por causa disso. O fascínio pelo cinema ia crescendo e descobri a biblioteca da Cinemateca, onde passei muitas tardes de leitura. Preferia ir para aí do que estar com os meus colegas. Na verdade, senti-me sempre um marginal. 



















O meu pai dizia que eu tinha a mania de ser diferente, mas na verdade enquanto os meus colegas andavam excitados com os Abba, Queen, Supertramp, Pink Floyd e outros, eu só queria ouvir a Julie Andrews, o Frank Sinatra, a Barbra Streisand, ou, melhor ainda, as bandas sonoras dos velhos filmes musicais.


Claro que os meus colegas também gostavam de cinema, mas raramente queriam ouvir falar dos clássicos e, entre irem ao cinema ou a uma festa, preferiam a segunda hipótese. Mais tarde, fiz parte de alguns grupos de amigos (um deles até era conhecido pelos intelectuais da Cinemateca), mas os meus gostos pouco intelectuais (sempre preferi ver os filmes pelo lado emocional em vez do racional) levaram a que eu próprio me marginalizasse.


Toda esta solidão levou-me a aproximar-me cada vez mais do Cinema. Ir ao cinema era para mim um escape. Adorava deixar-me transportar para outros mundos, outras vidas e, sempre que me sentia deprimido, não havia nada melhor que ir até ao cinema. Aí ganhava forças para enfrentar a vida chata que levava.




























Como todos os teenagers que se prezam, houve uma altura em que pensei em fugir de casa, pois estava farto do controle doentio da minha mãe (eu adoro-a, mas por vezes era demasiado super-protectora, se bem que me começou a deixar ir sozinho às matinées a partir dos meus 12 anos; o filme escolhido foi O GENDARME CASA-SE) e sentia que necessitava de mudar de vida. Ainda meti algumas peças de roupa num saco de praia, mas nesse mesmo dia descobri que um dos meus filmes preferidos, HELLO, DOLLY!, ia ser reposto no cinema Roma e não podia deixar de ir vê-lo (e fui, duas vezes). Uma ou outra vez, quando eu achava que ninguém gostava de mim e que não estava cá a fazer nada, a ideia de suicídio passou-me pela cabeça, mas havia sempre um filme novo que ia estrear que eu queria mesmo ver e, felizmente, a ideia ficou sempre por aí.




























Claro que sonhava em ser actor (algo que pode ser confirmado pela minha professora da primária, a quem eu já dizia que queria fazer cinema) e até criei um alter-ego de nome George Kent, para o qual inventei dezenas de filmes. Em vez disso, tornei-me funcionário público, uma profissão conhecida pelo seu grande lado criativo. Hoje em dia já não tenho grandes crises existenciais, tenho a sorte de ter alguns bons amigos e, graças à Internet, consegui encontrar pessoas que gostam do mesmo que eu.




















Mas a paixão pelo Cinema continua. Podem dizer que sou viciado em cinema (cheguei a ver 11 filmes num fim-de-semana. Aconteceu com o grande ciclo do Cinema Musical na Gulbenkian, claro que, na segunda-feira a seguir só distinguia os filmes por alguns números musicais) e não é mentira.

O Cinema é como uma droga que durante umas horas nos faz esquecer o nosso dia-a-dia e, quando os filmes são mesmo bons, tem o poder de provocar emoções. Há quem prefira filmes que os desafiem intelectualmente, eu prefiro uma boa história, com pés e cabeça, que me faça sentir qualquer coisa.


É reconfortante saber que o Cinema continua a existir e que continuo a poder recorrer aos seus dotes mágicos. Quando revejo um filme é como visitar um velho amigo e recordar emoções que julgava perdidas na poeira do tempo. É por isso que eu chamo ao Cinema um velho amigo; um daqueles que não se esquece e que sabe bem ter ao nosso lado!

 

Texto © Jorge Tomé Santos em 19.03.2011 / revisto em 12.12.2020


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