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domingo, 12 de maio de 2024

CINEMA NIMAS, A SALA CINÉFILA

Presentemente, o cinema Nimas em Lisboa é um paraíso para os amantes de cinema, com exibição de ciclos especiais, reposição de clássicos e estreias selectivas. Mas houve um tempo em que temi pelo seu futuro.

Após as férias de Verão de 2009 o Nimas deixou a exibição comercial de filmes e transformou-se no “Espaço Nimas”. Nas palavras de Zé Maria, o responsável pelo projecto, “este espaço não teria uma programação definida, mas iria funcionar com espectáculos ocasionais, que podiam ir desde a música ao teatro, bem como qualquer outro tipo de performances artísticas”. Quando li isto e fiquei com o coração triste, acreditando que ao Nimas ia acontecer o mesmo que já havia acontecido a praticamente todas os cinemas que não estavam fisicamente agregadas a um espaço comercial ou a um complexo de salas.

Agora um pouco de história. Na época antes do 25 de Abril, a expressão “vamos ao nimas”, queria dizer vamos ao cinema. Nas palavras de Lauro António “nimas" era a designação popular para se referir ao cinema, enquanto sala. As salas maiores como o Monumental ou Tivoli não tinham esta designação, porque eram salas de gabarito. Já outras salas como o Olympia e Salão Lisboa, mais direccionadas para o povo, tinham esta designação. O "nimas" era o piolho, que exibia filmes de cowboys, acção, policiais, melodramas e comédias descabeladas antes de 25 de Abril de 1974. A partir daí, começou a exibir filmes pornográficos.” Claro que com a abertura do cinema Nimas essa expressão acabou por cair em desuso; a partir de então o “ir ao nimas” já implicava um destino específico.
















A sala, com cerca de 200 lugares, abriu a 10 de Outubro de 1975 com o filme QUE VIVA A REVOLUÇÃO dos Irmãos Taviani. Título significativo para aquele que julgo que foi o primeiro cinema inaugurado em Lisboa após o 25 de Abril de 1974. A este filme seguiram-se PÂNICO EM NEEDLE PARK de Jerry Schatzberg, a reposição do filme dos Irmãos Marx UMA NOITE EM CASABLANCA, PORQUE SE MATA UM MAGISTRADO de Damiano Damiani, PAULO O QUENTE de Marco Vicario, NÃO TOQUES NA MULHER BRANCA de Marco Ferreri, O MONSTRO NA PRIMEIRA PÁGINA de Marco Bellocchio, TUDO VAI BEM de Jean-Luc Godard & Jean-Pietrre Gorin, O PLANETA SELVAGEM de René Laloux e, aquele que foi o primeiro longo sucesso do Nimas, CHOVE EM SANTIAGO de Helvio Soto, estreou em 29 de Junho de 1976 e manteve-se em exibição até 14 de Fevereiro de 1977.













Em 1979, por causa da exibição do filme AS HORAS DE MARIA, de António de Macedo, o Nimas foi “atacado” por católicos conservadores que queriam impedir que o filme fosse exibido, o que obrigou a que estreia tivesse que ser feita sobre protecção policial; mas mesmo assim, consta que alguns espectadores foram agredidos pelos fanáticos manifestantes.

A primeira vez que entrei no Nimas foi em Dezembro de 1977 (tinha então 13 anitos), para ver a reposição de UM AMERICANO EM PARIS de Vincente Minnelli e só lá voltaria em 1979 para ver PIQUENIQUE EM HANGING ROCK de Peter Weir (um filme cheio de atmosfera, mas do qual não percebi nada). Daí para a frente, a sala passou a fazer parte do meu curriculum cinéfilo e por lá vi filmes como FÉRIAS MACABRAS de Dan Curtis com Bette Davis, O CASAL PERFEITO de Robert Altman, UM LUGAR NO CORAÇÃO de Robert Benton com Sally Field, PARA ALÉM DO MAL de Liliana Cavani, ARMADILHA MORTAL de Sidney Lumet com Michael Caine e Christopher Reeve, CLASSE de Lewis John Carlino com Jacqueline Bisset e Rob Lowe, GINGER E FRED de Federico Fellini, STAR 80 de Bob Fosse, GORILAS NA BRUMA de Michael Apted com Sigourney Weaver, O HOMEM QUE FAZIA MILAGRES de Richard Loncraine com Sting, LOUCA de Martin Ritt com Barbra Streisand, AGNES DE DEUS de Norman Jewison com Jane Fonda, BLADE RUNNER de Ridley Scott, NOITE DE ESTREIA de John Cassavetes, OS JUNCOS SILVESTRES de André Téchine e CORALINE de Henry Selick. Houve uma altura em que a sala passava sessões especiais à meia-noite (que saudades desses tempos), onde tive a oportunidade de ver filmes tão diferentes como O SÉTIMO SELO de Ingmar Bergman e o LITZOMANIA do Ken Russell.












O Nimas nunca foi nem é a melhor sala de cinema de Lisboa, mas é simpática e acolhedora, muito bem localizada e não tem pipocas. Ainda assim, para mim, o seu maior defeito é ter um ecrã demasiado grande para a dimensão do espaço.

A partir de 1993, o Nimas começou a ser comercialmente explorado pelo grupo Medeia do Sr. Paulo Branco, sendo durante uma temporada de sucesso um local de excelência para o cinema francês, tendo andado depois um pouco à deriva. A aposta em transformá-la num espaço para cinema de animação em 3D não resultou por razões óbvias; sem as barulhentas pipocas, as crianças preferiam ir a outras salas. Daí a tornar-se uma sala de reprise (exibição de filmes que acabaram de sair das ditas salas importantes) foi um pequeno salto, o público foi-se afastando e o seu futuro ficou negro. Nessa fase, provavelmente, o último êxito do Nimas, foi a exibição do clássico IMITAÇÃO DE VIDA de Douglas Sirk, que esteve algumas semanas em exibição.

O sucesso desse filme, levou-me a acreditar que o Nimas podia sobreviver como uma sala especializada na reposição de clássicos e na exibição de cinema de culto. Lisboa era, provavelmente, uma das poucas capitais europeias que não tinha uma sala de cinema do género e acreditei que os cinéfilos alfacinhas a iriam acarinhar. Por muito bom que seja poder ver esses filmes em casa, não há nada como vê-los no escuro do cinema. Pelos vistos Paulo Branco pensou o mesmo e foi praticamente isso que aconteceu.











O Nimas “reabriu” como um local de recuperação da memória do cinema e de excelência para os cinéfilos. Ciclos dedicados a, entre outros, Ingmar Bergman e Jacques Tati obtiveram grande êxito, provando que esse era o caminho a seguir. Por isso, muito obrigado Sr. Paulo Branco por manter o Nimas aberto e por o ter transformado num local de culto para cinéfilos. Só tenho um pedido a fazer, que tal recuperar as chamadas “Meias-Noites Fantásticas” nas sessões da meia-noite de Sábado? O cinema fantástico e de culto podia marcar presença com filmes como DARK STAR de John Carpenter (inédito comercialmente em Portugal), PIRANHA II: O PEIXE VAMPIRO de James Cameron (o seu primeiro e pior filme), MASSACRE NO TEXAS de Tobe Hooper (o histérico original), OS REVOLTADOS DO ANO 2000 de Narciso Ibáñez Serrador ou mesmo HOLOCAUSTO CANIBAL de Ruggero Deodato.

Vamos ao Nimas!

por Jorge Tomé Santos, 12.05.2024

Imagens: meu arquivo pessoal e jornal “Diário de Lisboa”




























2 comentários:

  1. Olá Jorge. Adorei este post! Não fui um grande frequentador do Nimas, quando vivi em Lisboa. Ia mais ao King e ao Quarteto. Mas hoje é um cinema muito importante em Lisboa. João Neves

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