Há umas semanas atrás o cinema Quarteto foi obrigado a
fechar as suas portas; pouco tempo depois, no dia 28 de Abril, faleceu o seu
fundador Pedro Bandeira Freire. Encerrou-se assim um dos mais importantes
capítulos do cinema em Portugal.
O Quarteto, que abriu as suas portas em 1975, foi o
pioneiro dos multiplexes em Portugal. A sua assinatura era “4 Salas / 4 Filmes”
e nele o cinema de autor co-existia em harmonia com o cinema comercial e com a
memória do cinema (nome dado às famosas sessões da meia-noite). No dia da sua
inauguração os filmes que estrearam foram: UM FILME DOCE, E DERAM-LHE UMA
ESPINGARDA..., S. MIGUEL TINHA UM GALO e AMOR EM TONS ERÓTICOS.
Só uma vez é que o Quarteto não cumpriu a sua assinatura.
Aconteceu em 1980, com a estreia em exclusivo nas 4 salas de ALL THAT JAZZ;
altura em que o espaço sofreu uma remodelação e ganhou som "New Sound Pion
Stereo".
O seu grande trunfo era o facto de ter uma programação
variada, com muitos títulos em exclusivo. Sem tabus ou preconceitos, o Quarteto
estava aberto a todos os géneros e tipo de filmes. Nas suas salas foram
exibidos filmes tão diferentes como FLESH GORDON (sim, leram bem, “flesh” – era
a versão erótica do famoso Flash Gordon) e AS ASAS DO DESEJO de Wim Wenders;
“obscuridades” como A MALDIÇÃO DE CATHY e clássicos como UM DIA EM NOVA IORQUE.
Títulos como TAXI DRIVER e VIAGENS ALUCINANTES fizeram longas carreiras nas
suas salas e um ciclo dedicado a Alfred Hithcock exibiu com grande sucesso
obras-primas como A MULHER QUE VIVEU DUAS VEZES e JANELA INDISCRETA.
É verdade, não eram nem nunca foram as melhores salas de
cinema de Lisboa. Os ecrãs eram pequenos, o som mesmo em "Pion
Stereo" não era grande coisa e, para gente baixa como eu, havia algumas
dificuldades de visão (algo que também acontece em salas modernas como as do
Monumental e as do Residence), por essas razões muitas vezes acabava por
preferir ir ver os filmes (ALIEN O 8º PASSAGEIRO e NOITES ESCALDANTES, entre
outros) a salas que eu achava que reuniam melhores condições.
O que o Quarteto tinha de único era uma atmosfera
cinéfila que não existia nem existe em qualquer outra sala de Lisboa. Ali
respirava-se cinema e a palavra culto fazia todo o sentido. Não acredito que
houvesse algum cinéfilo que não se sentisse em casa no Quarteto. Durante os
anos 70 e 80, o Quarteto foi sem dúvida um paraíso cinéfilo e as salas de
referências dos amantes do cinema.
Infelizmente na década de 90, os filmes começaram a
estrear em mais e melhores salas, sendo cada vez mais raro ter filmes em
exclusivo (NAKED LUNCH de David Cronenberg e CORRE LOLA CORRE de Tom Tykwer,
foram algumas excepções).
Com o desaparecimento das pequenas distribuidoras a
situação foi piorando e o Quarteto viu-se obrigado a exibir os grandes
blockbusters e a começar a perder a sua identidade. Nos últimos anos, foi
sobrevivendo essencialmente com reposições e com a nostalgia dos seus anos
dourados.
No dia 29 de Maio faz 30 anos que fui pela primeira vez
ver um filme ao Quarteto. Na altura tinha 13 anos (o que faz de mim um
quarentão) e o filme escolhido foi O MONSTRO ESTÁ VIVO (“It’s Alive”); um bom
filme de terror dirigido por Larry Cohen que estreou em exclusivo no Quarteto.
A última vez que me lembro de lá ir ver um filme do circuito comercial foi em
2003 – ROGER DODGER. Entre estes dois títulos muitos foram os filmes que lá vi.
Foi no Quarteto que descobri o cinema de Pedro Almodovar,
primeiro com MATADOR e mais tarde com A LEI DO DESEJO; foi também lá que vi o
único filme português de que realmente gostei – MANHÃ SUBMERSA de Lauro
António.
Lembro-me, como se fosse ontem, de ir ver o DINHEIRO DO
CÉU de Herbert Ross a uma sexta-feira à noite, de me apaixonar pelo filme, e de
estar de volta no Domingo à noite. Outro filme que vi duas vezes no Quarteto no
prazo de poucas semanas foi O BAILE de Ettore Scola. Por outro lado, não me
esqueço da seca que levei com NOSTALGIA de Andrei Tarkovski, nem da agradável
surpresa que foi A MULHER EM CHAMAS de Robert Van Ackeren.
Recordo-me de descobrir Anthony Hopkins no injustamente
esquecido MAGIC de Richard Attenborough, de ter ficado excitado a ver Brad
Davis no QUERELLE de Fassbinder e de reviver Marilyn Monroe em NIAGARA de Henry
Hathaway.
Podia ficar horas a fio a evocar memórias dos filmes que
vi no Quarteto, mas o que eu gostava mesmo era que as suas portas se voltassem
a abrir e que o cinema regressasse em força às suas salas. Sei que, com a
actual política de exibição cinematográfica, não será fácil mas quero acreditar
que tal é possível.
Na minha cabeça consigo imaginar cada uma das suas salas
com uma programação específica:
Sala 1 – reposições de clássicos (algo que falta em
Lisboa);
Sala 2 – cinema fantástico e de terror;
Sala 3 – cinema gay;
Sala 4 – cinema não falado em inglês.
Para terminar aqui fica uma pequena galeria de cartazes
de filmes que foram exibidos no Quarteto.
Quando escrevi esta crónica, em 30.04.2008, terminava com o desejo “que num futuro muito próximo
possamos criar novas memórias do Quarteto.” Infelizmente nesta data, 2 de Março
de 2014, já sei que as salas foram adquiridas pela Igreja Plenitude de Cristo;
assim o culto do cinema vai agora dar lugar ao culto religioso. Quem fica a
perder somos nós, os cinéfilos. Mas pelo menos ficam-nos as memórias.
Texto original
© Jorge Tomé Santos em 30.04.2008.
Gostei muito deste seu texto, Jorge. Interessam-me sempre as memórias pessoais relativas às salas de cinema. Também eu fui marcado pelo Quarteto. Cheguei a Lisboa em 1986 para estudar no ISCTE, vivia na zona do Campo Pequeno, e o Quarteto passou a ser uma das minhas casas. Faz parte da minha memória cinéfila mais duradoura. Obrigado pelo texto.
ResponderEliminarMuito obrigado por visitares o meu blog e pelas tuas simpáticas palavras. É bom saber que o Quarteto deixou a sua marca em muitos cinéfilos.
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