O
cinema Tivoli em Lisboa celebra este ano 90 anos, mais propriamente no dia 30
de Novembro. Uma bonita idade para uma das mais emblemáticas salas de cinema da
cidade e que felizmente ainda continua de pé. Assim, pareceu-me ser uma boa
altura para fazer uma viagem nostálgica pelas minhas memórias e escrever uma
crónica sobre este cinema.
O cinema Tivoli não foi o primeiro a que fui (essa honra
cabe ao extinto Éden), mas é talvez aquele de que tenho melhores memórias.
Grande, mas acolhedor, era o local perfeito para ver cinema e durante anos foi
a minha sala preferida de Lisboa.
Há um período na minha vida, entre os 4 e os 10 anos, em
que não tenho registo de que filmes é que vi; mas entre os que me lembro de ver
estão A BELA ADORMECIDA da Walt Disney e MÚSICA NO CORAÇÃO. O primeiro tenho a
certeza que vi no Tivoli, o segundo quase a certeza; a verdade é que o Tivoli
foi durante muitos anos a sala da MÚSICA NO CORAÇÃO, onde, aquando da sua
estreia, o filme esteve em exibição mais de um ano.
Foi no Tivoli que, aos 10 anos, me deixei deslumbrar pelo
OS DEZ MANDAMENTOS. Foi lá que, aos 11 anos, me apaixonei pela Vivien Leigh ao
ver E TUDO O VENTO LEVOU. Descobri a magia dos musicais da MGM com ISTO É
ESPECTÁCULO. Emocionei-me com BEN-HUR e fiquei com os nervos em frangalhos com
A TORRE DO INFERNO. Tive o meu primeiro contacto com a obra de Agatha Christie
com UM CRIME NO EXPRESSO DO ORIENTE e vi os últimos filmes de Alfred Hitchcock
e George Cukor, INTRIGA EM FAMÍLIA e CÉLEBRES E RICAS. Também foi lá que vi o
meu primeiro exemplo de “cinema do mundo”, o musical israelita KAZABLAN. Claro
que nem tudo são boas memórias; por exemplo, aos 13 anos levei uma seca com o 2001UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Também me lembro de ver vezes sem conta o trailer do
filme O CHATO e de dizer que “chatice, lá vem O CHATO outra vez”.
As produções da Disney tinham lugar cativo nesta sala,
principalmente no Natal e Páscoa. Altura em que o foyer do cinema era
literalmente forrado com imagens dos filmes. Há duas sessões de que me lembro
particularmente. Uma foi com o filme de aventuras UMA ILHA NO TECTO DO MUNDO,
que fui ver com a família e em que uma prima minha ficou aterrorizada com o
olhar diabólico do mau da fita; eu adorei! O outro momento foi com BRANCA DENEVE E OS SETE ANÕES; o foyer estava cheio de gente e um miúdo, pouco mais novo
que eu, chegou-se junto do meu pai e perguntou-lhe se ele lhe podia dar algum
dinheiro para o ajudar a comprar o bilhete. O meu pai deu, bem como um senhor
que estava perto de nós e o miúdo lá conseguiu ver o filme; espero que tenha
gostado tanto como eu.
Outro momento relacionado com o Tivoli que me marcou,
aconteceu pouco depois do 25 de Abril de 1974. Fui com a família ver o ISTO É ESPECTÁCULO e a sala estava esgotada. Quando saímos da sessão, ficámos a
conversar na rua e eis que passa um camião de caixa aberta, cheio de comunistas
que gritam bem alto para quem estava à porta do cinema qualquer coisa como
“aproveitem enquanto podem, pois quando ganharmos acaba-se-vos o cinema”. Lembro-me de ficar estarrecido
e de pensar: “espero que nunca cheguem
ao poder, pois não quero que o cinema acabe”. Hoje sei que os comunistas são a
favor da cultura, mas na altura fiquei a odiá-los.
Outros momentos marcantes que vivi no Tivoli. No dia 24
de Agosto de 1976, então com 12 anos, fui pela primeira vez sozinho ao cinema.
A sessão teve lugar no Tivoli às 15.15 e o filme escolhido foi O GENDARME
CASA-SE com Louis de Funès. Em Maio de 1980, ao assistir a MÚSICA NUMA NOITE DEVERÃO, tive o primeiro contacto com aquele que viria a tornar-se um dos meus
compositores preferidos, Stephen Sondheim. Em 1981 fui ver o que eu julgava ser
um simples policial e dei de caras com A CAÇA (Cruising), o primeiro filme a
revelar-me o lado negro do universo gay (um senhor que assistia ao filme disse muito chateado e em voz alta: “isto é um filme de paneleiros, era só o que me faltava”).
Para
terminar, um pouco de história. A sala, com capacidade para mais de 1000
espectadores, abriu as suas portas no dia 30 de Novembro de 1924 com VIOLETAS
IMPERIAIS. O responsável pela sua construção foi o arquitecto Raúl Lino e sala
depressa se tornou na coqueluche de Lisboa e, com bilhetes de valor acima da média, o seu público alvo era a
classe alta. Sempre atento às inovações cinematográficas, em Novembro de 1930
estreou o seu primeiro sonoro, A PARADA DO AMOR. Em 1954, com A TÚNICA, foi a
primeira sala a exibir um filme em Cinemascope em Portugal e em 1978, com
TERRAMOTO, trouxe em exclusivo o super sistema de som “sensurround” para Lisboa
(um tio meu até dizia que se ouvia cair a caliça dos prédios...)
Reza a
mitologia cinéfila que em tempos trabalhou no Tivoli um projeccionista marreco,
sendo este que deu origem à famosa frase “Ó Marreco, olha o sonoro!”.
Infelizmente,
como tantas outras grandes salas de cinema de Lisboa, não resistiu ao impacto
dos multiplexes e do vídeo (na altura ainda nem se falava da internet) e acabou
por fechar as suas portas no dia 30 de Junho de 1989, com o filme AGARREM ESTE
DETECTIVE!. Mas quis o destino que a sala fosse poupada ao triste destino do velho
Monumental ou do Éden; assim, manteve-se de pé e ganhou uma nova vida exibindo
teatro e, ocasionalmente, cinema (aconteceu este ano com o MOTELx).
Por lá
passaram muitos filmes, e enumerá-los a todos seria uma tarefa praticamente
impossível e uma chatice para ler. Assim, achei que seria mais interessante
optar por relembrar alguns através dos seus cartazes.
Para
terminar, ao pesquisar sobre o passado do Tivoli descobri que, para além dos já
mencionados E TUDO O VENTO LEVOU e BEN-HUR, mais alguns dos meus filmes
favoritos passaram por lá, nomeadamente HELLO, DOLLY e EVA (All About Eve).
Confesso que tenho saudades do tempo em que me sentava a meio da primeira fila
do 2º balcão do Tivoli, com um programa nas mãos, e me deixava envolver pelas
imagens que enchiam o grande ecrã.
Bibliografia:
jornal “Diário de Lisboa”, http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2014/05/cinema-teatro-tivoli.html de José Leite, revista “Cinéfilo”, “Os Cinemas de Lisboa” de Margarida Acciaiuoli
por Jorge T. Santos em 28.11.2015
PS.: Para verem as imagens com melhor resolução é só clicarem nas mesmas.
Parabéns, Jorge, por mais um maravilhoso artigo sobre uma sala de cinema tão importante. Sobretudo pelos anúncios, que nos evita de ir à Hemeroteca. Eu vivi alguns anos em Lisboa entre 1986 e 1999, mas o Tivoli nunca foi importante para mim. Penso que se encontrava já num período de decadência. Só tenho a certeza de ter ido lá duas vezes, uma para ver Blue Velvet de David Lynch (anos 80), e outra para assistir à peça António, um Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo em 1996. Fiquei sobretudo nostálgico por não ter podido ver os musicais que passaram no Tivoli ao longo dos tempos. São dos filmes que mais ganham em serem vistos na grande tela. Sempre que passa aqui em Paris algum musical vou vê-lo. Vi há semanas o primeiro protagonizado pela Marilyn, Ladies of the Chorus (1948), e foi um encantamento vê-lo no cinema. Um abraço.
ResponderEliminarOlá João, obrigado pelas tuas simpáticas palavras. É verdade, já apanhaste o Tivoli na fase de declínio, o que é uma pena.
ResponderEliminarTens razão quanto aos musicais, era o cinema perfeito para os ver no grande ecrã e tive sorte de ver por lá alguns. Um abraço.